IGOR JESUS


ARTFORUM
Fevereiro 2016


©António Jorge Silva



O modo como IGOR JESUS  concebe uma exposição ( e o modo como podemos compreendê-la ) começa por uma aproximação global ao espaço de exposição no sentido de determinar o processo de transformação a que ele deve ser sujeito para servir os seus objetivos. Neste caso, o desafio é considerável já que se trata da primeira exposição do artista numa galeria que tem um dos maiores espaços contínuos numa galeria privada em Portugal e que, pela primeira vez, sofreu uma alteração estrutural.

À entrada, o artista construiu uma black box onde é projetado, em loop de 31’57’’,  o video que dá o título à exposição : “A última carta ao Pai Natal”. Antes de entrar na luz habitual de uma sala de exposição, o visitante tem de passar (e parar) na escuridão. Adiante veremos o que significa esta passagem. A completar o processo de transformação da sala vemos, ao fundo, o que parece ser uma parede, em posição oblíqua em relação à parede, quase bloqueando o acesso ao último terço da sala. Na verdade é uma pintura monocromática cinzento-azulado (como um céu muito carregado ?), composta por vários paineis com uma dimensão total de 8 metros de comprimento por 3,30 metros de altura. Chama-se “De costas voltadas” (2015). De trás da parede/tela chega-nos o som, que ecoa por toda a galeria, do que depois descobriremos ser um video apresentado num plasma, free standing num plano inclinado e numa posição vertical (POV, video, loop, 1’42’’, 2015).

A exposição fornece-nos a sua chave logo no início mas só no final a entenderemos. Voltemos então à sala escura da entrada. O video alterna imagens de travelings verticais ascendentes e descendentes sobre uma superfície negra com visões rente ao chão do interior de salas de estar domésticas. O ponto de vista é, portanto, o do Pai Natal, subindo e descendo chaminés, para encontrar salas sem pessoas nem nada que indicie a intenção de o acolher. O Pai Natal (a câmara) volta a subir por onde desceu. As filmagens são reais e foram feitas sem autorização dos proprietários ou ocupantes das casas.
Estamos agora preparados para entrar na sala de exposição. Na parede, três trabalhos fazem racord com o video. Poderiam parecer pinturas abstratas negras (a escuridão da fuligem no interior da chaminé ?) mas são impressões de imagens resultantes do corte, colagem e digitalização de polaroids vazias, negras (“Polaroid”, 185x124 cm, 2015).

No espaço que vai até á superfície azul do fundo encontramos no chão um pequeno círculo formado pelos destroços de seis velhos sapatos e ténis cozidos uns aos outros (“Domingo”, 30x26x26 cm, 2015). À parede em frente às polaroids, está preso um pequeno copo invertido cuja transparência é toldada por marcas de resíduos de vinho tinto. Será que, nalgum momento auspicioso do passado, ocorreu uma celebração ?
Por fim, a imagem do video que encontramos atrás da parede/tela mostra-nos, em loop, a queda de uma caixa de som (filmada de frente por uma câmara a ela acoplada) até se estatelar no chão. Temos a visão e o som concretos de uma queda cujo sentido abstrato, talvez para evitar especulações religiosas, é deixado ao livre arbítrio de cada visitante.

Na tradição católica portuguesa quando se aproxima o Natal diz-se às crianças  para escreverem ao Pai Natal ( algumas décadas atrás estas cartas eram dirigidas ao Menino Jesus, o que no caso de Igor Jesus teria tido um efeito ainda mais perturbante ) a pedir aquilo que desejam. O artista contou-me que, na sua última carta ao Pai Natal, pedia-lhe que o levasse com ele. Mas não vamos entrar em especulações biográficas. O pai, o nascimento, a família, a queda, são temas suficientemente gerais para dispensarem exemplificações. Deixemos a cada um a escolha do seu “Point Of View”.

O que mais impressiona, na obra de Igor Jesus, é a capacidade de abordar temáticas da maior intensidade subjetiva e emocional conseguindo evitar as armadilhas da psicologia ou do lirismo vulgares. Pelo contrário, o artista procede através de um rigoroso processo de reversão/ocultação do espaço físico de exposição (como se lhe estivéssemos a ver as “costas”) e através de operações formais de contenção, redução e subtração extremas na construção e seleção dos objetos expostos.

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Texto publicado na revista mensal Artforum, na edição de Fevereiro de 2016, por ocasião da exposição “A última carta ao Pai Natal”, de Igor Jesus, na Galeria Filomena Soares, Lisboa, 2015. 

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