CAMPBELL



Andy Warhol. Campbell's Soup Cans. 1962

Li a notícia no “Herald Tribune” de 27 de Agosto de 1999. A Campbell Soup Co. está a braços com um declínio no volume de vendas que se vem acentuando desde há já bastante tempo e obrigou os responsáveis da empresa a encararem medidas de fundo como forma de tentar inverter esta tendência. Entre o pacote de medidas anunciadas está a substituição do rótulo tradicional criado em 1898 e que, entretanto, se tornou um clássico sobretudo depois de Andy Warhol nos anos 60 o ter tomado como motivo de uma das suas mais famosas séries de pinturas.

Recuemos até essa época. “Comprem as autênticas por 29 c.”, anunciava em Julho de 1962 um comerciante com loja aberta alguns quarteirões abaixo da Ferus Gallery, em Los Angeles, onde uma das primeiras exposições de Andy Warhol exibia uma série das suas pinturas de latas de sopa Campbell.

São ou não são autênticas? Qual é o seu Valor? Questões que preocuparam os críticos e inspiraram abundantes meditações sobre os infortúnios de alienação e do consumo. Também ao lojista, ali perto, custava aceitar que uma coisa tivesse possibilidades de valer mais, precisamente por não ser o que ele chamava “autêntica”.

O trabalho e a carreira de Andy Warhol comportam o desenvolvimento de dois processos decisivos para a instauração de um curto-circuito, por ele tornado explícito e evidente, entre a lógica da produção artística e as lógicas da circulação mercantil e mediévica, em sentido amplo.

Refirimo-nos ao processo que torna possível a transformação de uma banal imagem extraída dos meios de comunicação social numa obra de arte, e ao processo que conduz à substituição do suposto talento inerente à mão do artista pela simples referência a uma assinatura – reprovável ao nome e à marca de um autor – que garante a ligação a uma determinada personalidade e ao respectivo carisma. À intensidade da circulação mediática do nome correspondente a intensidade de circulação económica dos seus produtos, assim se desenvolvendo uma dinâmica tendencialmente indiferente em relação ao que poderiam ser as características formais únicas atribuíveis à prática do autor e às respectivas obras.

Warhol representaria a assumpção pelo mundo da arte, através de uma interiorização em termos da própria atitude do artista, do actual estatuto económico e mediático não só das obras de arte contemporâneas. A obra de Warhol surge como elemento revelador e, nessa medida, eventualmente desmistificador dos mecanismos mais gerais de funcionamento da sociedade, constituindo assim não já, é certo, uma denuncia critica no sentido tradicional, mas um testemunho privilegiado de uma determinada realidade.
Os novos rótulos incluirão fotos de pratos das correspondentes sopas e pequenas bandeiras especificando: “classic”, “fun favorites”, “special selections”, “great for cooking” e “98 percent fat free”. A última lata com rótulo tradicional da Campbell’s Condensed Tomato Soup será oferecida pela empresa ao Museu Andy Warhol, em Pittsburgh.

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Alexandre Melo, “Campbell”, in Arte Ibérica, Ano 3, Nº28,  Lisboa, Outubro 1999


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