TÓPICOS DA INTERNACIONALIZAÇÃO




Artes&Leilões
Fevereiro - Março, 1990



Julião Sarmento, Mehr Licht, 1985, ©Tate

O regime ditatorial em Portugal correspondeu a uma época de isolamento em relação às correntes que a nível internacional faziam a história da modernidade. Os casos excepcionais de alguns artistas emigrados – por exemplo Vieira da Silva em Paris ou, mais recentemente, Paula Rego em Londres – ou de alguns momentos de ligeira abertura, não alteravam um contexto global retrógrado.

A revolução de 1974 vem provocar, neste panorama, uma ruptura que dará lugar a uma nova conjuntura cultural que possibilitará, nos anos 80, a emergência de uma nova geração de artistas cuja afirmação é, hoje em dia, um facto consumado.

O processo de abertura e internacionalização da situação artística portuguesa é ainda limitado e embrionário. Não se pode comparar por exemplo com a explosão internacionalista que se deu em Espanha nos últimos anos. O relativo fechamento da situação portuguesa é consequência de múltiplo factores: uma rotina de isolamento cultural herdada da ditadura; o conservadorismo e a falta de informação das instituições culturais e da opinião pública; a reduzida dimensão do mercado de arte; a falta de interesse dos poderes públicos pela política cultural; as dificuldades económicas do país e as suas consequências ao nível do orçamento em que a cultura nunca foi considerada prioritária.

Todos estes factores constituem, por um lado, limitações à difusão dos artistas portugueses no estrangeiro e dos artistas estrangeiros em Portugal. Nesta medida poderiam constituir um elemento de atraso para a situação portuguesa. Mas, por outro lado, este mesmo atraso comporta também aspectos positivos. Desencoraja o exibicionismo espectacular e a precipitação demagógica. Neste sentido, o referido atraso joga de uma maneira ambivalente e pode servir para preservar uma duração e um ritmo mais adequados e uma maior consistência na relação quer do público quer dos próprios artistas com as obras.

Embora admitindo o carácter embrionário quer do mercado quer do processo de internacionalização da arte portuguesa contemporânea, importa reconhecer que ao longo da última década, e sobretudo nos últimos anos, se tem registado um crescente dinamismo.

Uma primeira componente deste dinamismo foi o estabelecimento de relações com a Espanha e designadamente a presença portuguesa na ARCO, Feira de Arte Contemporânea de Madrid. A mútua ignorância cultural entre Portugal e Espanha, herança histórica alimentada por nacionalismos anacrónicos e reactivos, foi ultrapassada, no campo da arte contemporânea, através do estabelecimento de relações pessoais e de trabalho entre artistas, galerias, publicações e críticos portugueses e espanhóis. Miquel Barceló, José Maria Sicília, Cristina Iglesias, Juan Muñoz, trabalharam e expuseram em Portugal em momentos iniciais ou ainda ascensionais das suas carreiras. Julião Sarmento expõe regularmente em Espanha desde há anos e mais recentemente há a registar individuais de Pedro Proença e Leonel Moura, para além de múltiplas presenças em colectivas e da próxima realização, em Barcelona e Sevilha, já este ano, das primeiras exposições significativas dedicadas por instituições espanholas à arte portuguesa contemporânea. 

O hábito e a regularidade da presença de galerias portuguesas na ARCO, para além dos contactos e negócios que terá permitido, tem também um importante significado psicológico e pedagógico enquanto factor de abertura, ainda que limitada, dos horizontes culturais e do terreno de confronto. Aliás, a presença de artistas portugueses em feiras de arte contemporânea alargou-se de Madrid a Basileia, Los Angeles, Londres, Zurique, sendo que a continuidade e a consolidação deste movimento pode constituir um factor dinâmico essencial.

Uma segunda componente da embrionária internacionalização da situação portuguesa diz respeito ao trabalho desenvolvido por artistas e galerias no sentido de estabelecerem relações consistentes de trabalho a nível internacional. A Cómicos teve, a este nível, um papel preponderante trazendo a Portugal, para trabalhar e expor, artistas como Joseph Kosuth, Gilberto Zorio ou Gerhard Merz. A Módulo, com Daniel Buren ou David Tremlett, também participou deste movimento. E novas galerias começaram a trabalhar no mesmo sentido. A Atlântica (Porto), expondo Juan Carlos Savater ou Rita McBride, a Galeria Pedro Oliveira (ex-Roma e Pavia, Porto) com uma colectiva internacional ou a Galeria Graça Fonseca com uma instalação de Eugénio Cano.

No sentido inverso, importa referir que também artistas portugueses vão adquirindo ou reforçando o reconhecimento internacional. Julião Sarmento, com exposições em Madrid (Marga Paz), Munique (Bernd Kluser), Bruxelas (Xavier Hufkens) ou Turim (Giorgio Persano), para só referir as mais recentes. Leonel Moura em Madrid (Montenegro) ou Los Angeles (Meyers/Bloom). Ou ainda Cabrita Reis em Nova Iorque (Bess Cutler).

Um outro pólo de relacionamento internacional tem sido a MADE-IN, empresa de trabalho em pedra, que vem desenvolvendo um trabalho de cooperação com escultores americanos interessados em aproveitar a boa qualidade e disponibilidade da pedra portuguesa. No contexto deste programa, apoiado pela Fundação Luso-Americana – com muitas outras actuações positivas em matéria de abertura internacional – já se deslocaram a Portugal, entre outros, Amy Yoes, Joel Fisher, Jean Highstein e Matt Mullican.

Um último tópico de internacionalização diz respeito às acções institucionais que deveriam servir de apoio e suporte às iniciativas privadas. Produção, importação ou exportação de grandes exposições de arte contemporânea; realização de colóquios, conferências ou congéneres sobre o tema; criação de fundos de documentação acessíveis ao público.

Já se conhece a incapacidade financeira da Secretaria de Estado da Cultura, a incapacidade cultural da Gulbenkian neste sector, a prolongada indefinição da Casa de Serralves. Toda a gente já se perguntou porque é que as instituições portuguesas fazem como se desconhecessem, e desconhecem, a arte dos últimos vinte anos, porque é que nem sequer importaram exposições que nos últimos anos desfilaram por Espanha, porque é que ainda não há um sítio público que receba catálogos e revistas de arte contemporânea.


Há alguns anos atrás estas lamentações e acusações tendiam a tomar forma dramática e panfletária. Hoje em dia o dinamismo das iniciativas pessoais e de grupo prefere reconhecer e apoiar esforços de reciclagem cultural – os Encontros Luso Americanos, o Van Abbe ou a Exposição-Diálogo na Gulbenkian, por exemplo, alguns colóquios na Gulbenkian ou em Serralves, ou as intenções da Lei do Mecenato e da criação da Fundação de Serralves – e conviver civilizadamente com a irreprimível tendência das instituições para a incompetência e a degenerescência burocrática.

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Alexandre Melo, “Tópicos da internacionalização”, In Artes & leilões, Lisboa, Fevereiro - Março 1990, p.29-31.

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