NÃO HÁ NEM VAI HAVER



TIAGO ALEXANDRE
Stoli, you stole my heart





Há a palavra, a coisa e o contexto. O meu pai contou-me: quando era criança ouvia os mais velhos falar de cerveja, via-os pedir e beber cervejas. Um dia pediu uma cerveja e, depois de provar, disse à vendedora que a cerveja estava estragada. Depois crescemos.
Os nomes das bebidas têm um poder de atração que as precede e talvez lhes seja superior. Vinho ou cerveja são evidências universais como pai ou verdade.
Depois há as bebidas da adolescência, e da pós-adolescência, que agora é uma coisa que parece que nunca mais começa e nunca mais acaba. A aura das marcas é talvez mais forte que o nome genérico das bebidas. 
Gin (antigamente era Gordon’s) tem uma ressonância magnética em forma de abismo. Jack Daniels corresponderia a uma espécie de modalidade de virilidade. Marketing, design, a cada um o seu rótulo e a sua garrafa.
Vodka impõe uma explosão glacial, lenta mas irrevogável. A bebida mais transparente do mundo. Durante algum tempo foi fantasia de noite eterna. Absolut como absoluto atinge depressa a banalidade. Stoli tem resto de alma russa que prolonga rasto e arrasta destino.
Nada existe sem contexto. Stoli já nem é noite. É publicidade de festas nas praias   de Mykonos ou da Costa Smeralda onde algumas horas antes do pôr-do-Sol o céu do Mediterrâneo se transforma em papel de cenário para piscinas de Los Angeles ou bares de Miami. Até aqui sou só eu a divagar. Coisas a fingir que são observações poéticas ou sociológicas.

O video “Stoli, you stole my heart” (2013) ,de Tiago Alexandre, é simples, direto, económico, pessoal, ocasional, elementar. Também é político.
O grão da voz associa-se aos acentos das palavras (uma das manias do rap). Mais
a aflição do ritmo que não passa do mesmo (disco riscado, outra mania do rap) e não vai chegar a lado nenhum.
Um bar de quase nada : uma dúzia de moedinhas das mais pobres. A ansiedade do vazio, ou seja, o tempo a passar e as coisas que se repetem sem acontecer nada. Um bar que não chega a ser bar, ali para os lado do Terreiro do Paço que, como se sabe, é um espaço carregado de simbologia. O bar antes de abrir do verão antes de chegar ou, melhor ainda, o bar que não vai abrir do verão que não vai chegar.
Hoje em dia, em cada 5 minutos que passam, um português abandona Portugal. Até que enfim.

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Texto publicado num livro de artista e folha de sala realizados por ocasião da exposição "Stoli, You Stole My Heart", de Tiago Alexandre, com curadoria de Patrícia Trindade, no espaço DIGDIG, em Campo de Ourique, Lisboa, Novembro de 2013.



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